Estes filhos de Março, pregados até o dia
anterior ante o inimigo estrangeiro, souberam de repente ser cruéis
e bestiais face a umas vítimas sem defesa, face a uns centos de
prisioneiros e moribundos. "A ordem reina em Varsóvia!"
"A ordem reina em Berlim! Eis como proclamam as suas vitórias
os guardas da "Ordem" através de todos os exércitos
que se estendem de um lado para outro da luta histórica
mundial. A destituição dos vencedores não indica mais do que
o final de uma etapa da "Ordem" que deve ser mantida e
proclamada periodicamente, mediante toda a classe de sanguinários
assassinos, sem deter-se na sua marcha para o seu destino histórico,
quer dizer, para o seu fim
O quê tem acrescentado esta Semana aos nossas
aprendizados? Em primeiro lugar, ainda no meio da luta e dos
gritos vitoriosos da contra-revolução, os proletários
revolucionários puderam chegar a medir os acontecimentos e os
seus resultados com a grande medida da história. E isto
aconteceu assim porque resulta que a Revolução não tem tempo
a perder e, em conseqüência, persegue a sua vitória por cima
das tumbas e por baixo das habituais vitórias e derrotas.
Reconhecer as suas linhas de orientação e seguir os
seus caminhos com plena consciência é a tarefa fundamental de
todos os que lutam pela vitória do socialismo internacional.
É possível esperar uma vitória definitiva do
proletariado revolucionário, na sua luta com os
Ebert-Scheidemann, para ascender a uma ditadura socialista?
Decerto que não, sobretudo se se considerarem devidamente todos
os fatores chamados a decidir sobre a questão. O ponto vulnerável
da causa revolucionária neste momento é não=maturidade política
da grande massa de soldados que ainda permitem aos seus oficiais
que os mandem contra os seus próprios irmãos de classe. De
resto, a não maturidade do trabalhador-soldado não é mais do
que um sintoma da não-maturidade geral em que ainda se acha
imersa a revolução alemã.
O campo, que é de onde procedem a maioria dos soldados,
fica tanto depois como antes fora do campo de influência da
revolução. Berlim é até o presente, face ao resto do país,
algo assim como um ilhéu. Os centros revolucionários da província
(os de Rhenánia, Wasserkant, Brunschwitz, Saxe e Wurtemberg
nomeadamente) estão de corpo e alma do lado do proletariado
berlinês, mas pelo momento falta uma concordância direta na ação,
que é a única que pode proporcionar uma incomparável eficácia
ao arranque e a combatividade dos operários de Berlim. Além
disso, a luta econômica (que é origem de verdadeiras fontes
vulcânicas em que se alimenta a revolução) acha-se ainda numa
fase claramente inicial.
Disso tudo pode deduzir-se claramente que não é razoável
contar pelo momento com uma vitória de tipo decisivo. A luta
destas últimas semanas teve como desenlace o resultado das
citadas insuficiências. Sempre há um disparo inicial, mas qual
era na realidade o ponto de partida da última semana de luta?
Como já aconteceu em casos precedentes, como já aconteceu no 6
de Dezembro, como já aconteceu no 24 de Dezembro, desta vez
também estivo a origem numa provocação brutal por parte do
governo. Como no caso do assassinato dos manifestantes
desarmados, como no caso da matança dos marinheiros, desta vez
foi o atentado da Prefeitura da polícia a causa originária de
todos os acontecimentos. E é que a revolução nem sempre tem
hipóteses de agir seguindo as suas livres decisões, em terreno
descoberto e depois de um bom plano de manobras ideado por algum
bom estratagema. Os seus inimigos têm também a sua iniciativa,
e por vezes inclusive são eles quem a tomam, que por certo é o
que se passa geralmente.
Porém, ante o fato da insolente provocação do governo
Ebert-Scheidemann, os operários revolucionários estavam forçados
a pegarem nas armas. Com efeito, para a revolução, pode
dizer-se que era uma questão de honra responder o mais
rapidamente possível e com todas as forças ao ataque, porque
se assim não fosse teria sido impulsionada à contra-revolução,
a uma nova etapa repressiva, com o que teriam resultado
aplastadas as fileiras revolucionárias e diminuído o crédito
moral da revolução alemã.
A melhor manobra é uma boa viragem inesperada e
audaciosa.
A resistência surgiu tam espontaneamente, com uma
energia tam evidente, do mesmo seio das massas berlinenses, que
do primeiro momento pode dizer-se que a vitória moral estivo do
lado da rua. Uma lei interior da revolução é a da
impossibilidade de esperar na inatividade depois de que se deu
um passo para frente. A melhor manobra é uma boa viragem
inesperada e audaciosa. Esta regra elementar de toda a luta é
que rege com maior razão todos os passos da revolução. Nesta
ocasião haveria de demonstrar, aliás, o são instinto, a força
interior sempre fresca do proletariado berlinês e uma
combatividade do mesmo que não se limitou a reintegrar Eichorn
nas suas funções, mas que impulsionou a massa para ir em pós
de outros redutos da contra-revolução, como é a imprensa
burguesa, representada de primeira mão por Vorwaerts. Se todas
estas iniciativas surgiram espontaneamente da massa é porque
esta sabia que a contra-revolução não se havia de conformar
com a derrota e que havia de procurar a provocação como fosse
uma batalha onde se medirão todas as forças de ambos os
contendores.
Aqui também depararemos com uma das grande leis históricas
da revolução, contra a qual estilhaçam todas as subtilezas próprias
dos pequenos maquiavéis "revolucionários" ao estilo
dos do U.S.P.D., que em cada ocasião de lutar não procuram
mais do que o pretexto para se bater em retirada. O problema
fundamental de toda revolução (neste caso é o da queda do
governo Ebert-Scheidemann) surge em cada caso com toda a
atualidade, porque cada episódio da luta descarta, com a
fatalidade das leis naturais, todo compromisso com a moderação
ou com as argalhadas da politiquice reformista, exigindo em todo
o momento o máximo por pouco maduras que forem as circunstâncias...
Abaixo o governo de Ebert-Scheidermann! Esta é a
palavra-de-ordem que emerge como inevitável de cada episódio
da nossa atual crise, tornando na única fórmula capaz de
exprimir o senso e o significado de todos os conflitos
parcelares, e de levar a luta até o seu ponto culminante.
O resultado desta contradição entre o agravamento do
objetivo e as insuficiências prévias para o seu cumprimento
tem como resultado o estabelecimento da fase inicial do
desenvolvimento revolucionário, no decurso do qual as lutas
parcelares sempre acabam com uma "derrota" formal. Mas
a revolução é a única forma de "guerra" em que
(por lei de vida que lhe é própria) a vitória final apenas
pode ser atingida através de uma série de "derrotas"
prévias.
O quê é que nos mostra se não toda a história das
revoluções modernas e do socialismo? O primeiro facho que
iluminou a luta de classes na Europa foi a insurreição dos
sedeiros de Lyon em 1831, que terminou com uma flagrante
derrota. O movimento dos Cartistas na Inglaterra concluiu também
com uma derrota. O levantamento do proletariado em Paris,
durante as jornadas de 1848, desembocou igualmente numa
esmagadora derrota. E a Comuna de Paris teve semelhante
desenlace..... Todo o caminho do socialismo está efetivamente
asfaltado de derrotas, apesar do qual vemos que a história do
mesmo avança inexoravelmente, passo a passo, para a vitória
que há de ser definitiva. Onde estaríamos hoje sem estas
"derrotas" das que tiramos a experiência histórica
que nos permite reconhecer a realidade das cousas em toda a sua
dimensão? Na atualidade, quando temos conseguido chegar já ao
limiar da batalha final, é precisamente quando melhor podemos
reconhecer que é sobre todas essas "derrotas" sobre
as que nós ficamos em pé. Não podemos prescindir de nenhuma
delas, porque cada uma das mesmas faz parte da nossa força
atual.
Vitória na derrota e derrota na vitória.
Este é justamente o contraste e a aparente contradição
que diferencia as lutas revolucionárias das lutas
parlamentares. Na Alemanha contamos com quarenta anos de
"vitórias" parlamentares, de forma que pode dizer-se
que durante todo este tempo estivemos marchando de vitória em
vitória, sendo o resultado a grande prova histórica de 4 de
Agosto de 1914: a derrota política e moral mais catastrófica e
inesquecível.
As revoluções, pelo contrário, não nos tinham
achegado mais do que contínuas derrotas, mas inevitáveis estas
derrotas som as melhores garantias da nossa vitória final...
Claro que em isso tudo entranha uma condição! E é a de
sabermos em que circunstancias teve lugar cada derrota, quer
dizer, se esta foi o resultado de umas massas imaturas que se
lançam à luta, ou de uma ação revolucionária paralisada no
seu interior pela indecisão, a moderação e a falta de
radicalismo. Dois exemplos típicos de ambos os casos poderiam
ser a revolução francesa de Fevereiro e a revolução alemã
de Março. A ação heróica do proletariado de Paris em 1848
converteu-se na energia mais vivificadora que cabe para o
proletariado de todo o mundo, enquanto os lamentáveis
desfalecimentos da revolução alemã de Março, do mesmo ano,
viram-se metamorfoseados numa espécie de pesada cadeia para
todo o desenvolvimento histórico ulterior da Alemanha, cujos
efeitos regressivos podem ser rastejados mesmo nos
acontecimentos mais recentes da nossa revolução e na crise
dramática que acabamos de viver.
Como será vista, em tal caso, a derrota da nossa Semana
de Spartakus à luz da mencionada perceptiva histórica? Como o
resultado de uma audaz energia revolucionária perante a
insuficiente maturidade da situação, ou como o desenlace de
uma ação empreendida sem a necessária convicção revolucionária?
De ambas as formas! Porque a nossa crise tem com efeito,
um duplo rosto, o ta contradição entre uma enorme decisão
ofensiva por parte das massas e a falta de convicção por parte
dos chefes berlinenses. Falhou a direção. Mas este é o
defeito menor, porque a direção pode e deve ser criada pelas
massas. As massas são com efeito o fator decisivo, porque são
a rocha sobre a qual será edificada a vitória final da revolução.
As massas cumpriram com a sua missão, porque fizeram desta nova
"derrota" o elo que nos une legitimamente à cadeia
histórica de "derrotas" que constituem o orgulho e a
força do socialismo internacional. Podemos ter a certeza de que
desta "derrota" também há de florescer a vitória
definitiva.
A ordem reina em Berlim!... Ah! Estúpidos e insensatos
carrascos! Não reparardes em que a vossa "ordem" está
a alçar-se sobre a areia. A revolução alçar-se-á amanhã e
com sua vitória o
terror pintar-se-á nos vossos rostos ao ouvir-lhe anunciar com
todas as suas trombetas:
ERA, SOU E SEREI!
Rosa
Luxemburgo
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